domingo, 10 de maio de 2015

Coronel Aviador Alfeu de Alcântara Monteiro


Um pouco da história do 1º mártir da ditadura  que se iniciou com o golpe militar de 31 de abril de 1964, contada pela viúva Neyde Guimarães Pinheiro Monteiro.  É sempre bom manter a memória de quem sucumbiu pela ausência de liberdade e na luta pela legalidade democrática. Abraços!
Vereador Ivo Fiortti

“Que o Coronel Alfeu de Alcântara Monteiro tinha sido excluído e desligado daquele QG em 31 de março de 1964, com 30 dias de trânsito, à vista de ordem de matrícula em Curso da ECEMAR, Rio de Janeiro.

Que antes de ser desligado havia passado o comando da Base aérea de Canoas ao Maj.Brig. do Ar Nelson Freire Lavanère Wanderley, dentro das normas protocolares e regulamentos militares sem o menor incidente. Logo após a cerimônia de transmissão ao novo Comandante, foi para casa.

Que sábado à noite de 04 de abril de 64, naquele dia, ele estava na Rua da Praia quando foi convocado para comparecer à sala do comandante por ordem do Major Brigadeiro Wanderley.

Que fechados na sala do comando se encontravam presentes quatro militares entre eles o Cel Av Leonardo Teixeira Collares, Chefe do Estado Maior da 5ª Zona Aérea, inclusive amigo do Alfeu como era desde a época em que eram cadetes.

Que o Collares foi convocado juntamente com o major aviador Pirro de Andrade a presenciar a entrevista que o novo Comandante Lavanère Wanderley iria ter com o Alfeu. Acredito que o Collares não teve ciência de que a convocação seria para prender o tenente-coronel-aviador Alfeu de Alcântara Monteiro. Todavia o Brigadeiro Wanderley havia determinado a prisão de todos os legalistas, faltava apenas o meu marido.

Que o Alfeu quando recebeu a ordem para comparecer à Base Aérea pressentiu o motivo daquela convocação. Tanto que, desconfiado, comentou na cantina dos oficiais com outros colegas enquanto aguardava à hora para apresenta-se ao novo comandante. ‘Se ele achar de me prender não me entrego’.

Que assim que o Alfeu se apresentou diante do novo comandante, Maj.Brig. do Ar Nelson Freire Lavanère Wanderley, que estava sentado na mesa do comando, que já pertencera ao Alfeu, simplesmente comunica-lhe que de agora em diante era ele quem dava as ordens!

Que ato continua abriu a gaveta para pegar a pistola e dar voz de prisão, não lhe dando permissão para viajar para o Rio de Janeiro onde iria fazer o Curso do estado Maior das Forças Armadas, ECEMAR.

Que com a mão ainda dentro da gaveta informou-lhe:
‘Coronel considere-se detido em nome da Revolução’ O Alfeu recuou alguns passos, olhou para o Collares e lhe disse: ‘Jamelão (apelido carinhoso do Collares) afaste-se daí’ E voltando-se para o Brigadeiro gritou:
‘Retire essa ordem! É ilegal. Eu estava defendendo a autoridade legítima eleita pelo povo. Tu não podes me prender. Não fico preso sem motivo. Daqui só saio morto. ’

Que de costas ia se retirando armado quando foi surpreendido pelo cel av. Roberto Hipólito da Costa que abrira a porta do gabinete chegando ali repentinamente. Nisto o Hipólito tentou bloquear lhe o caminho e não sendo atendido não hesitou. Fuzilou-o a queima-roupa pelas costas.

Que segundo testemunhas da época o coronel já ferido mortalmente com várias balas de arma de fogo. Ele virou-se de frente para o seu algoz, que disparou nova rajada de tiros atingindo-o desta vez pela frente. Que Alfeu com a arma na mão ferida disparou a esmo, atingindo acidentalmente o Maj.Brig. do Ar Nelson de raspão, na cabeça. O coronel Hipólito que estava agachado em posição de atirador não foi atingido.

Que os tiros que o Brigadeiro recebeu na testa provam que o Alfeu já estava caído quando revidou a agressão do Hipólito, fato que corrobora que se o Alfeu tivesse atirado de imediato no Brigadeiro ele estaria morto. Mesmo para quem está armado de frente para uma pessoa é impossível não matá-la, quanto mais que o Alfeu era exímio atirador.

Que o exame de balística sugere que os tiros dados pelo Alfeu foram de baixo para cima, confirmando que ele já estava ferido quando atirou. A trajetória da bala que atingiu o Brigadeiro pode não ter sido a do Alfeu. O que se confirmou foi o laudo de necropsia que atesta que meu marido foi atingido por tiros disparados de uma posição fora de seu campo de visão.

Que o Alfeu caído, ferido e ensanguentado, foi largado em frente à escrivaninha da sala do comando. Ninguém tentou socorrê-lo. Aliás, houve até certo cerceamento no sentido de que fosse socorrido na Base Aérea, onde inclusive naquele momento trágico se encontrava o Dr. Medeiros médico militar...
Que só foi atendido devido ao fato de alguns sargentos tentarem se sublevar quando souberam do crime. Então acorrera para socorrer lhe. Os golpistas diante daquele impasse permitiram que um cabo chamado Oséias Reck o levasse para o Pronto-Socorro em Porto Alegre.

Que lá ainda chegou com vida, tendo sobrevivido por meia hora depois de dois plantonistas tentarem estancar a hemorragia galopante devido às perfurações...
QUE fatos a esse respeito me foram relatados por uma freira que estava presente no momento em que o Alfeu chegara ferido no Pronto-Socorro. Ela me disse que ele não comentou o acidente. Apenas comentou que sua mulher e filhos moravam no Rio de Janeiro. Depois lhe disse: ‘Matam meu corpo, porém minha alma é livre’, ‘Tenho minha consciência tranquila, porque morro no cumprimento do dever.’

Que assim morria, às 23h55m do dia 04 de abril de 1964, serenamente como um herói.

QUE os dois médicos que atenderam meu marido não quiseram comentar o acidente com receio das consequências.

QUE no relato do livro de Nilmário Miranda ‘dos filhos deste solo’, há a discrição do fuzilamento do Alfeu com uma rajada de metralhadora pelas costas.

QUE para abafar o assassinato brutal, o próprio Presidente Castello Branco, pessoalmente, tratou de abafar o episódio, quando o Jornal Correio do Povo de Porto Alegre noticiou no dia seguinte que o corpo do coronel Alfeu de Alcântara Monteiro estava sendo velado na Base Aérea de Canoas. A causa não foi indicada. (É óbvio)

Que o Brigadeiro-Lavanère-Wanderley foi o primeiro ministro da Aeronáutica de Castello Branco, assumindo a pasta 16 dias após a morte do Alfeu.

Que quanto ao cel. Av. Roberto Hipólito da Costa, apesar das inúmeras evidências contra foi absolvido. Pudera era sobrinho do Presidente Castello Branco. Logo depois deste trágico e vergonhoso crime, Hipólito seria mandado uma longa missão em Washington. Ficando assim longe do repudio dos colegas que lamentaram profundamente seu ato.

Que conforme RÁDIO 242/AX/0504/1964, do então Comandante da 5ª ZONA AEREA, e de acordo com O Parágrafo 2º do Artigo 1º da LEI 5195 de a4 de dezembro de 1963 foi seu falecimento considerado em objeto de serviço.

QUE, o Art. 2º do Regulamento de Promoção Post-Mortem dos militares da Aeronáutica reza o seguinte: “Para efeito da letra “c” do artigo anterior (“c” acidente em serviço), considerar-se-á acidente em serviço o ocorrido com o militar da Aeronáutica durante execução de missão para a qual havia sido escalado, no cumprimento de ordens ou de obrigação funcional, na locomoção de sua residência para Organização em que servia ou local em que trabalhava ou em que a missão deveria ter início ou prosseguimento e vice-versa e nas viagens de trânsito de outra localidade, no exercício de suas funções.”

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